Atraso na entrega do imóvel adquirido na planta: análise acerca do direito à indenização
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Questão Jurídica:
Assinou-se contrato de promessa de compra e venda para aquisição de imóvel no planta. Estabeleceu-se uma data certa para a conclusão da obra e a subsequente entrega das chaves, prevendo-se, ainda, uma cláusula de tolerância que prorroga, de forma incondicionada, o referido prazo por um período de 180 (cento e oitenta) dias. Não obstante o decurso integral tanto do prazo original quanto do prazo de tolerância, a promitente vendedora (Construtora) não cumpriu sua obrigação principal, qual seja, a de entregar o imóvel pronto e acabado para o uso a que se destina. Diante dessa mora contratual, o adquirente se vê privado da posse e do uso do bem pelo qual vem pagando, suportando prejuízos de ordem material, uma vez que, durante todo o período de atraso, necessita arcar com custos de moradia em outro local ou, alternativamente, deixa de auferir rendimentos que poderia obter com a locação do novo imóvel a terceiros.
Nesse contexto, a consulta se desdobra em questionamentos específicos e interligados, que podem ser sintetizados nos seguintes pontos centrais:
1. O promitente comprador de imóvel na planta possui o direito de ser indenizado pela não fruição do bem durante o período de atraso na entrega por parte da construtora?
2. Qual a natureza dessa indenização e como ela é calculada, especialmente no que tange à fixação de valores a título de aluguéis que o adquirente deixou de receber ou teve de pagar?
3. É possível cumular o recebimento dessa indenização por lucros cessantes com a aplicação de outras penalidades contratuais, como a cláusula penal moratória?
4. Qual o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, em particular o que foi definido no julgamento do Tema 971 em sede de recurso repetitivo?
O presente parecer tem por escopo analisar detalhadamente cada uma dessas questões, oferecendo um panorama jurídico completo sobre os direitos e as pretensões do adquirente em face do inadimplemento da construtora.
II. Fundamentação Jurídica:
II.1. A relação contratual e o inadimplemento da Construtora
O contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta estabelece uma relação jurídica complexa, de natureza sinalagmática, na qual cada uma das partes assume obrigações recíprocas. Ao promitente comprador incumbe o dever de efetuar o pagamento do preço ajustado, nas condições e prazos estipulados. À promitente vendedora, por sua vez, compete a obrigação de construir e entregar a unidade imobiliária em conformidade com o projeto aprovado e dentro do prazo pactuado.
É fundamental destacar que tal relação é inequivocamente regida pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a construtora/incorporadora se enquadra no conceito de fornecedora de produtos e serviços, e o adquirente, como destinatário final, no conceito de consumidor. A submissão ao microssistema consumerista implica a aplicação de seus princípios norteadores, como a boa-fé objetiva, a transparência, a informação adequada e a proteção contra práticas abusivas, conferindo uma tutela especial à parte vulnerável da relação.
O descumprimento da obrigação de entrega do imóvel no prazo avençado, mesmo após o esgotamento do período de tolerância – cuja validade é geralmente admitida pela jurisprudência, desde que expressamente pactuado e não superior a 180 dias –, configura o inadimplemento contratual por parte da vendedora. A partir desse momento, a construtora incorre em mora, nos termos do artigo 394 do Código Civil, que dispõe:
"Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer".
A mora da construtora acarreta uma série de consequências jurídicas, sendo a principal delas a responsabilidade pela reparação dos prejuízos causados ao credor, conforme preceitua o artigo 389 do mesmo diploma legal:
"Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado".
II.2. O Direito à indenização por lucros cessantes e a teoria do dano presumido
As perdas e danos, devidas ao credor em razão do inadimplemento, abrangem não apenas o que ele efetivamente perdeu (dano emergente), mas também o que razoavelmente deixou de lucrar (lucros cessantes), conforme a dicção expressa do artigo 402 do Código Civil.
No caso específico do atraso na entrega de imóvel, a jurisprudência pátria, em especial a do Superior Tribunal de Justiça, consolidou o entendimento de que a privação do uso do bem pelo adquirente gera um prejuízo de natureza patrimonial na modalidade de lucros cessantes. Este prejuízo é considerado presumido, ou seja, decorre da própria mora da construtora, sendo desnecessária a comprovação, por parte do comprador, de que efetivamente pretendia alugar o imóvel ou de que estava arcando com despesas de aluguel em outro local.
A lógica subjacente a essa presunção (in re ipsa) é a de que a indisponibilidade do bem imóvel acarreta, por si só, uma perda financeira para o adquirente. Se o imóvel se destinasse à moradia própria, o comprador se viu forçado a manter despesas com outra habitação, seja por meio de aluguel, seja por residir com familiares, deixando de economizar o valor que despenderia com tal finalidade. Se, por outro lado, o imóvel fosse destinado a investimento, o comprador foi impedido de auferir os rendimentos locatícios que o bem poderia gerar. Em ambas as hipóteses, o prejuízo patrimonial é evidente e decorre diretamente da conduta ilícita da vendedora.
Exigir do consumidor a prova do dano seria impor-lhe um ônus excessivo e, em muitos casos, diabólico, esvaziando o direito à reparação integral. A simples privação da faculdade de usar, gozar e dispor do bem, que é a essência do direito de propriedade, já é suficiente para caracterizar o prejuízo indenizável.
II.3. A fixação do valor da indenização: o parâmetro do aluguel de mercado
Uma vez estabelecido o direito à indenização por lucros cessantes, a questão subsequente diz respeito à sua quantificação.
A metodologia consagrada tanto na doutrina quanto na jurisprudência para o cálculo do valor indenizatório consiste na fixação de um montante mensal equivalente ao valor do aluguel de mercado de um imóvel com características semelhantes ao que foi adquirido e não entregue. Esse valor representa, de forma justa e razoável, a perda econômica sofrida pelo adquirente em cada mês de atraso. O período de incidência dessa indenização se inicia no primeiro dia após o término do prazo de tolerância contratual e se estende até a data da efetiva entrega das chaves, momento em que a posse do imóvel é finalmente transferida ao comprador e a mora da construtora cessa.
Para a apuração do valor do aluguel, os tribunais têm adotado, como parâmetro usual, um percentual que varia, em regra, entre 0,5% (meio por cento) e 1,0% (um por cento) ao mês, calculado sobre o valor atualizado do imóvel.
A base de cálculo deve ser o valor de mercado do bem na época do inadimplemento ou, na sua falta e por critério de praticidade, o valor atualizado do contrato. A utilização do valor atualizado do contrato é uma forma de garantir que a indenização reflita o real valor econômico do bem no período da mora, evitando o aviltamento da reparação em decorrência da inflação.
A definição do percentual exato (se 0,5%, 0,7%, 1,0%, etc.) dependerá das particularidades do caso concreto, como a localização, o padrão do empreendimento e as condições do mercado imobiliário local, podendo ser objeto de arbitramento judicial em eventual liquidação de sentença, caso não haja acordo entre as partes.
II.4. A análise dos Temas 970 e 971 do STJ: a cumulação da Cláusula Penal com Lucros Cessantes
A consulta indaga, com pertinência, sobre a possibilidade de cumular a indenização por lucros cessantes (aluguéis) com outras penalidades previstas no contrato, notadamente a cláusula penal moratória. Este ponto foi objeto de intensa controvérsia nos tribunais brasileiros, o que levou o Superior Tribunal de Justiça a afetar a matéria para julgamento sob o rito dos recursos especiais repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento em âmbito nacional. A análise completa da questão exige o exame conjunto de dois temas: o Tema 970 e o Tema 971.
O Tema 971 (REsp 1.614.721/DF e REsp 1.631.485/DF) tratou da possibilidade de inversão, em desfavor da construtora, da cláusula penal estipulada exclusivamente para o inadimplemento do adquirente. Em muitos contratos de adesão, era comum a previsão de multa e juros para o caso de atraso no pagamento das parcelas pelo comprador, mas nenhuma penalidade equivalente para o caso de atraso na entrega da obra pela vendedora. O STJ, em respeito aos princípios da isonomia, do equilíbrio contratual e da boa-fé objetiva, que regem as relações de consumo, firmou a seguinte tese:
"No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial."
Isso significa que, mesmo que o contrato seja silente, a cláusula que penaliza o consumidor por sua mora pode ser "espelhada" e aplicada contra a construtora por sua mora na entrega do imóvel. Essa tese representou um avanço significativo na proteção dos direitos do consumidor, reequilibrando a relação contratual.
Contudo, a questão da cumulação foi decidida no Tema 970 (REsp 1.635.428/SC e REsp 1.498.484/DF), julgado na mesma ocasião. O STJ entendeu que a cláusula penal moratória e os lucros cessantes, em regra, possuem a mesma natureza e finalidade: ambos visam a reparar os prejuízos decorrentes do atraso na obrigação.
A cláusula penal moratória funciona como uma prefixação das perdas e danos. Permitir a cumulação de ambos configuraria um bis in idem, ou seja, uma dupla penalização pelo mesmo fato, o que levaria ao enriquecimento sem causa do credor, o que é vedado pelo ordenamento jurídico. Assim, a Corte Superior fixou a seguinte tese:
"A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes."
A interpretação sistêmica das duas teses leva a uma conclusão clara: o adquirente tem direito à reparação pelo atraso, mas não pode acumular a indenização por lucros cessantes (aluguéis) com a multa contratual moratória (seja ela originalmente prevista contra a construtora ou invertida com base no Tema 971).
Diante do inadimplemento, o consumidor deverá optar pela via que lhe for mais favorável. Se a cláusula penal invertida resultar em um valor superior ao dos aluguéis presumidos, deverá pleitear a sua aplicação. Caso contrário, se o valor dos aluguéis for mais vantajoso, deverá pleitear a condenação da construtora ao pagamento dos lucros cessantes. A escolha entre uma e outra pretensão é fundamental na estratégia processual a ser adotada.
III. Conclusão
Diante de todo o exposto, em resposta aos questionamentos formulados, é possível assentar as seguintes conclusões de forma objetiva:
Sim, o promitente comprador de imóvel na planta que não o recebe no prazo estipulado, já computado o período de tolerância, tem o direito de ser indenizado pela construtora/incorporadora. Este direito decorre diretamente do inadimplemento contratual da vendedora e da consequente privação do adquirente do uso e gozo do bem;
A indenização é, por sua natureza, uma reparação por perdas e danos, na modalidade de lucros cessantes. O prejuízo do comprador é presumido (in re ipsa), dispensando prova de que iria alugar o imóvel ou de que pagava aluguel. O valor da indenização é comumente fixado em um montante mensal, calculado entre 0,5% e 1,0% sobre o valor atualizado do imóvel, correspondente ao seu potencial de aluguel de mercado, devido desde o fim do prazo de tolerância até a efetiva entrega das chaves;
Conforme a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 971 dos recursos repetitivos, é possível a inversão da cláusula penal prevista exclusivamente contra o comprador para que seja aplicada em desfavor da construtora em caso de atraso na entrega da obra, como forma de restabelecer o equilíbrio contratual;
Todavia, com base na tese firmada no Tema 970 do STJ, não é permitida a cumulação da indenização por lucros cessantes (aluguéis) com a cláusula penal moratória (seja a prevista originalmente, seja a invertida). Ambas as verbas possuem a mesma finalidade reparatória, de modo que o adquirente deverá optar por pleitear aquela que se mostrar economicamente mais vantajosa em seu caso concreto, sob pena de se configurar enriquecimento ilícito.
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